por Gabriel Borges
No dia 4 de julho de 2019, o DANE (Departamento Administrativo Nacional de Estadistica) divulgou os resultados do Censo 2018 da Colômbia. Tal censo enfrentou diversos problemas, que se refletiram no seu alto grau de omissão (8,5%). A discussão em torno da divulgação dos resultados do censo colombiano traz elementos importantes para o debate do Censo brasileiro de 2020.
Desde o início do planejamento do Censo 2018, a direção do DANE apontou que restrições fiscais e orçamentárias restringiriam a operação a um censo “básico e austero”. Tal princípio impediu o Censo de coletar informações básicas, como quesitos usados para calcular um índice de pobreza multidimensional e dados sobre pessoas com deficiência. Além disso, tal contexto levou à realização de um investimento alto em avanços tecnológicos, como a coleta de dados pela internet (eCenso).
No contexto da análise, avaliação e difusão dos resultados do Censo, foi constituído um comitê de especialistas, que apontou avanços e limitações na operação e fez recomendações para levantamentos futuros.
Um dos erros apontados foi a decisão de não se realizar a pré-coleta (pré-censo), que não pôde ser feita em função das limitações orçamentárias. Isso impôs dificuldades aos trabalhos de campo e à própria avaliação do censo. O comitê indicou, ainda, que a cobertura do censo foi afetada pela não atualização da cartografia.
Outra importante limitação foi em relação ao eCenso, que apresentou diversos problemas, como no desenho do aplicativo, questões de conectividade, qualidade da informação declarada, preservação de conceitos básicos e padronização e integração com as demais bases de dados.
Como recomendações relacionadas a essas duas questões, o Comitê sugere que se tenha, em operações futuras, um marco censitário atualizado, com cartografia mais próxima possível da data do censo, além da implementação da pré-coleta. Além disso, recomenda-se que o DANE tenha um plano permanente de atualização tecnológica, e que censos não sejam utilizados como ambiente para propor novas metodologias ou sistemas de coleta.
O debate em relação ao Censo 2018 da Colômbia traz questões relevantes para o planejamento da rodada de censos 2020 nos demais países latinoamericanos. Os parágrafos seguintes discutem alguns pontos de intersecção entre a experiência recente colombiana e o debate atual sobre o planejamento do Censo 2020 no Brasil.
Em relação à pré-coleta, de forma bastante similar ao ocorrido na Colômbia, optou-se por não realizá-la no Censo 2020 em função de restrições orçamentárias. Contudo, não se tem ainda um plano concreto de atualização da lista de endereços na ausência da pré-coleta nos moldes do que foi realizado no Censo 2010, o que indica que há uma grande chance de se ir a campo com uma listagem desatualizada para grande parte dos setores censitários, com graves riscos à cobertura da operação.
A recomendação de não se usar censos para testar novas tecnologias e métodos de coleta poderia também ser apreciada no planejamento do Censo 2020 do Brasil. A direção do IBGE tem indicado que tem uma posição contrária a essa, ao colocar o Censo precisamente como o momento de salto tecnológico e de inovação para a próxima década, com o mote de “inovação do IBGE através do Censo 2020”.
Experiências passadas indicam que o IBGE tem adotado cautela ao inovar nos censos. A grande inovação do Censo 2010 em relação ao censo anterior, por exemplo, foi o uso de Dispositivos Móveis de Captura (DMC). Contudo, tal instrumento já vinha sendo utilizado em outras pesquisas no IBGE, além de ter sido implementado na Contagem 2007, inclusive com diversos problemas reportados. Esse acúmulo de experiências foi fundamental para seu sucesso no Censo 2010. Mudanças de tecnologia e método de coleta há um ano do Censo, sem a devida clareza de quais estratégias serão utilizadas, são altamente arriscadas. Propostas de inovação em coleta de dados pela internet, por exemplo, além de serem usadas pela primeira vez no Censo, não terão tempo hábil para serem avaliadas, uma vez que etapas já foram cumpridas, como a realização de testes de internet e Provas-Piloto.
O Censo 2020 tem, sim, potencial para se consolidar como um marco de avanços para o IBGE e o Sistema Estatístico Nacional para próxima década. A atualização da cartografia e da lista de endereços, renovação da infraestrutura do IBGE, definição dos planos amostrais para as pesquisas domiciliares e o provimento de informação básica para as estimativas e projeções demográficas são alguns exemplos. Não está claro, contudo, que o projeto atualmente proposto contempla satisfatoriamente estas questões.
Gabriel, obrigada por apresentar um resumo sobre as recomendações do comitê de especialistas no censo 2018 da Colômbia. Acho esta uma prática bastante saudável e que deveria ser recomendada para todos os países. Não ficou claro como o Dane estimou a omissão de 8,5%. Fizeram uma PA ou foi estimada por análise demográfica? Quanto à comparação com o Brasil, não entendi sobre a questão da pré-coleta. Para a Colombia diz que não foi feita por questões orçamentárias e que a cartografia não foi atualizada, mas no caso do Brasil menciona que foi abolida porque será usado a atualização do cadastro de endereço. Poderia explicar melhor sobre este ponto? Como a cartografia está sendo atualizada, pois entendi que havia contratação de temporários para fazer isto. Pode nos contar como será feito isto?
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Suzana, obrigado por seus comentários. A omissão de 8,5% foi estimada por método direto, mas não usando o tradicional DSE. Essas questões devem ficar mais claras quando forem publicados a metodologia completa e o relatório do Comitê. De toda forma, este nível de omissão é consistente com a análise demográfica. Em relação à pré-coleta no Censo 2020 do Brasil, até onde sei, não será feito por restrições orçamentárias, já que se precisaria contratar supervisores por um período mais longo anterior ao censo. Alguma parte do cadastro de endereços está sendo atualizada, por ordem de prioridades, mas da forma como está previsto, boa parte dos setores não será atualizada. A cartografia está sendo atualizada, mas há também a dificuldade em combinar a cartografia com o cadastro de endereços (principalmente quando estes não estiverem atualizados).
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Gabriel, achei que a metodologia do Censo da Colômbia já estivesse publicada e também o relatório do Comitê. Se não estão, você pode nos passar a referência do documento sobre o Censo da Colômbia que você usou para o artigo?
Sobre a atualização da cartografia do Brasil, eu ouvi que o corpo técnico do IBGE tinha proposto mudança no procedimento, antes dos novos rumos e da redução mais recente de orçamento. Você que trabalha mais de perto da Gerência do Censo (GTD), poderia conseguir a informação e nos passar sobre qual foi a proposta metodológica do corpo técnico para esta mudança de procedimento? Ou de fato, qual é o plano de atualização do cadastro de domicílios do setor censitário?
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O que usei como referência foram as informações disponíveis da Entrega 3 no site do DANE (https://www.dane.gov.co/index.php/estadisticas-por-tema/demografia-y-poblacion/censo-nacional-de-poblacion-y-vivenda-2018/informacion-tecnica). Em relação à cartografia, não sei a que mudança de procedimento vc se refere. Em relação ao plano de atualização do cadastro de endereços, eu não tenho maiores detalhes para te fornecer. O sindicato do IBGE, em nota, dá alguns detalhes sobre isso (https://assibge.org.br/carta-da-assibge-sn-aos-chefes-de-unidades-estaduais-do-ibge/). Você pode fazer solicitação de informações adicionais ao IBGE, até porque agora participa da comissão consultiva do censo.
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Obrigada pela referência dos informes do DANE. Vão ser muito úteis. Achei interessante que um dos pontos negativos que colaboraram para a baixa cobertura foi: ‐ «Resistencia por parte de actores sociales». Além de terem adiado o censo por muitos anos (e a base cartográfica ter sido atualizada para 2015 e se perdeu com a não realização do censo naquele momento). Estamos fazendo de tudo para que nosso Censo Demográfico no Brasil não seja adiado e se realize em 2020, apesar que algumas pessoas do corpo técnico (e direção) tenham cogitado este adiamento ainda em 2018. Temos que tomar muito cuidado com isto aqui no Brasil, neste momento de polarização política e falta de recursos nos cofres públicos. Temos que fazer o melhor censo em uma conjuntura muito adversa.
Sobre a referência do Sindicato, agradeço, mas infelizmente eu acho que o sindicato não é a fonte mais confiável para obter informações metodológicas corretas. Como você diz, como sou da comissão consultiva agora (só participei de uma reunião), posso solicitar a informação oficial, apesar de que como todos sabem, a Comissão é Consultiva e somente se manifesta a partir das solicitações do IBGE.
Mas principalmente, gostaria que este grupo do observatório, junto com a rede da Alap, pudesse fazer uma discussão sobre a rodada de 2020 dos censos na região, com todos os problemas que estamos tendo.
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Gabriel, também gostaria que pudéssemos discutir mais sobre inovações. De fato acho que este é um tema para mais de uma tese! Temos inovações metodológica/operacionais e temáticas, mas aqui você menciona somente as inovações tecnológicas. Que em si, dá para discutir numa tese. Quanto à maior inovação que vc menciona como sendo do Censo de 2010, uso do DMC, queria precisar que esta inovação foi adotada em caráter inovador no censo de 2007, pois apesar de chamarmos de contagem populacional, esta é um censo. Mas como deu muito problema, por ser uma inovação tecnológica usada em um momento sem muita experiência anterior, deu muito trabalho…. e de fato eu sempre digo que a Contagem de 2007 (um censo dos municípios com estimativa populacional de até 170 mil habitantes) foi um grande teste piloto para o Censo de 2010. O que o censo de 2010 inovou tecnologicamente foi a coleta por internet, sem ter testado em outras pesquisas domiciliares. E esta sim, não deu nada certo pois somente foi aplicada a menos de 1% dos domicílios (não é o censo de 2020 que inovará neste sentido). O que precisa é usar melhor os recursos tecnológico que atualmente estão disponíveis (ou seja, precisa aperfeiçoar uma inovação que não deu certo 10 anos antes). Assim, veja que o IBGE é conhecido e reconhecido por inovar tecnologicamente em censos demográficos (nem sempre antes implementado em outras pesquisas domiciliares) e às vezes funciona bem e outras não. Um exemplo foi o uso dos leitores (scanners) no censo de 2000, para substituir a digitação manual. Minha opinião é que o uso da inovação tecnológica é sempre bem vinda, mas precisa ser bem implementada. Lembro do caso do Chile de 2012, que para mim não foi o uso do DMC o problema da perda do censo, mas a sua má implementação, pois com ela veio a mudança/inovação de modelo de censo (de direito) sem a devida implementação desse modelo na prática.
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Em relação à coleta por internet, existem inúmeras formas de se implementar, e o IBGE testou algumas delas. O que estava previsto inicialmente era ir a campo com uma proposta próxima da que foi implementada em 2010 (com algumas propostas de avanço). Tem-se falado, mais recentemente, em outras propostas, que ainda não estão totalmente claras. Mesmo sendo chamados pelo mesmo nome (“coleta por internet”), podem ser métodos de coleta completamente distintos, o que, na minha opinião, consistiria em implantação de novos métodos de coleta, arriscada se colocada em prática pela primeira vez no censo, sem os devidos testes.
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Gabriel, entendo sua colocação sobre considerar que a coleta por internet pode usar métodos distintos, mas de fato a inovação é o tipo de coleta e não suas especificações. Obviamente as nuances e especificações dependem do contexto de cada país. Muito provavelmente o método usado na Colômbia que conseguiu 6,5% dos domicílios não funcionaria no vasto Brasil. E com certeza teria que ter muita mudança no método usado no Brasil em 2010, pois aqui foi menos de 1%. Grande parte do problema em 2010 no Brasil foi o desincentivo que os entrevistadores tiveram em solicitar o envio por internet (opção dada entre face a face e internet), já que precisariam voltar ao domicílio se o entrevistado não enviasse por internet. Acho que de fato num primeiro teste piloto feito em 2010 teria mostrado essa falha. Outro ponto importante que eu coloquei em 2010, quando se usou um pequeno piloto com os funcionários, é que um questionário online precisa ter as instruções todas online, à mão, e planejar como colocar as perguntas que têm alternativas lidas ou respostas espontâneas, para ser comparável o questionário por internet e o face a face. Ou seja, o questionário online tem que usar a tecnologia para «simular» o entrevistador. Perguntei durante a reunião do Conselho Consultivo se nessas propostas de avanço do censo por internet que você diz que tinham sido feitas agora foi incorporado este aspecto, e me responderam que não. Assim, de fato, espero mesmo que o «método novo» resolva esses problemas encontrados em 2010. E que o Censo Experimental possa ajudar nisso. Nesse sentido, seria muito bom se conhecêssemos quais as propostas que o IBGE tem planejado.
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