Avaliação dos censos demográficos brasileiros

Gabriel Borges, OLAC

Censos demográficos são operações complexas e, como tal, sujeitas a erros e imprecisões, que, se bem entendidos pelos usuários, tendem a não comprometer seus principais usos.IBGE-4 O reconhecimento de tais erros requer avaliações da cobertura e qualidade dos censos. Erros de cobertura estão relacionados a omissões e inclusões indevidas de pessoas e/ou domicílios, enquanto erros de qualidade são aqueles ligados às informações coletadas de pessoas e/ou domicílios efetivamente recenseados. Existem basicamente duas formas de se avaliar a cobertura de um censo demográfico: através de técnicas diretas e através de técnicas indiretas.No Brasil, a avaliação dos censos demográficos por parte do instituto oficial de estatística (IBGE) tem sido feita através de ambas as técnicas.

Desde 1970, o IBGE realiza, em todos os levantamentos censitários, a Pesquisa de Avaliação da Cobertura da Coleta do Censo (PA), a forma mais comum de avaliação direta. Esta pesquisa, contudo, assim como ocorre na maioria dos países, nunca foi utilizada para o ajuste dos resultados dos censos [1].

A Tabela 1 mostra as estimativas de omissão dos censos demográficos brasileiros de 1970 a 2000.
Tabela 1Quanto ao uso de técnicas indiretas, no âmbito da Projeção da População – Revisão 2008, o IBGE realizou uma avaliação dos censos demográficos e contagens da população brasileiros a partir de análises demográficas.

Tal avaliação mostrou evidências de que os censos demográficos do Brasil guardam certa coerência entre si, pelo menos nos seus níveis de cobertura, o que não ocorre com as contagens da população, que tendem a apresentar níveis mais altos de subenumeração.

Ao se criarem diversos cenários, os exercícios mostraram que os resultados das avaliações através no método da conciliação demográfica podem variar significativamente, a depender das hipóteses adotadas, especialmente dos anos de partida das projeções e retroprojeções.

Apesar do estudo de avaliação, entendeu-se que o grau de subenumeração/cobertura estimado para o Censo Demográfico de 1980 (ano de partida da projeção) não comprometia a projeção da população do Brasil, cuja partida poderia ser a própria estrutura por sexo e idade observada no Censo, ou seja, sem correção.

Na projeção da população divulgada em 2013, pela primeira vez o IBGE ajustou a população de partida do censo para a realização de suas estimativas e projeções populacionais. Este ajuste foi feito através do método da conciliação demográfica. Para tal, as populações de 1990 e 2010 foram, respectivamente, projetadas e retroprojetadas para o ano 2000 – utilizando as estimativas de fecundidade e mortalidade – com o objetivo de compará-las com a população observada no censo desse mesmo ano. Fundamentado nas próprias informações censitárias disponíveis, nas variáveis demográficas e no conhecimento e na experiência acumulados sobre os padrões de erro que afetam essas informações, chegou-se a uma população ajustada para o ano de 2000, que pôde também ser comparada com a população recenseada.

O Gráfico abaixo mostra a população recenseada e ajustada em 2000, indicando importante subenumeração de crianças e de adultos jovens [2].

População, por sexo e idade, observada e ajustada – Brasil – 2000Grafico 1Fonte: IBGE (2013) – Projeção da população – Brasil e Unidades da Federação

Como pela primeira vez foram também realizadas projeções populacionais por Unidades da Federação e, tendo em conta que existem diferenciais de omissão entre elas, o fator estimado para o Brasil foi ponderado utilizando-se o padrão de omissão censitária observado na Pesquisa de Avaliação da Cobertura da Coleta do Censo Demográfico 2000. Para as estimativas municipais considerou-se o fator de ajuste das Unidades da Federação em que eles pertenciam.

Argumenta-se, aqui, em favor da continuidade da utilização tanto das técnicas diretas quanto indiretas, devendo ser tratadas como métodos complementares.

Contudo, apesar das diferenças metodológicas, as estimativas resultantes de cada uma delas deveriam ser próximas, e, quando apresentarem divergências, deveriam ser justificadas. No caso brasileiro, observa-se que, de uma forma geral, as taxas de omissão resultantes da Pesquisa de Avaliação são maiores que as da conciliação censitária, mas não há uma avaliação clara a respeito das causas que levam a estas diferenças.

Ainda que incertas as razões que levam a estas diferenças, poderia ser especulado que a conciliação demográfica, baseada em informações de censos consecutivos, assume que as informações são completas para determinados grupos etários tradicionalmente bem enumerados. Além disso, limitações nas estimativas das componentes demográficas podem enviesar os resultados da avaliação.

As Pesquisas de Avaliação, por sua vez, tendem a apresentar altos erros amostrais, especialmente para áreas menores e grupos específicos, em função do limitado tamanho da amostra. Existem ainda questões técnicas como o excesso de pessoas faltantes tanto no censos quanto na pesquisa de avaliação devido ao viés de correlação entre elas. Parte destas questões pode ser controlada de certa forma e, de fato, a Pesquisa de Avaliação da Cobertura do Censo 2010 apresentou importantes avanços metodológicos e aumento substancial da amostra com este objetivo.

Contudo, um problema mais complexo e mais difícil de ser medido e avaliado nas Pesquisas de Avaliação são os erros não amostrais. Todos os problemas operacionais que ocorrem nos censos podem igualmente ser repetidos na Pesquisa de Avaliação. Além disso, a questão da completa independência entre as duas pesquisas, por exemplo, é muito difícil de ser alcançada, uma vez que normalmente o mesmo instituto realiza ambas operações. A base territorial, por exemplo, que pode ser uma importante fonte de erro nos censos, é a mesma. Finalmente, por razões óbvias, é comum que mais recursos e esforços sejam direcionados à operação censitária em si do que à pesquisa de avaliação, o que pode limitar a atuação desta última.

Censos demográficos constituem-se na mais importante fonte de informação sociodemográfica de um país, já que é a única pesquisa que cobre a totalidade da população. No contexto latino-americano, e particularmente no caso brasileiro, os censos têm uma importância ainda maior, em função do número limitado de pesquisas domiciliares – se comparado aos países desenvolvidos – e das limitações nos registros administrativos. Neste contexto, censos demográficos são utilizados como principal fonte provedora de informação para estabelecimento do público alvo de políticas públicas, por exemplo, de forma que imprecisões nos dados censitários afetam diretamente o planejamento, aplicação e monitoramento de tais políticas. Esses problemas tornam-se mais importantes uma vez que se reconhecem que eles são diferenciais segundo grupos populacionais como sexo, idade, raça/cor, afetando também diferencialmente políticas e ações voltadas a estas populações específicas.



[1] O principal exemplo de ajuste dos resultados do censo utilizando pesquisa de avaliação da cobertura do censo e o ajuste feito pelo Office for National Statistics (ONS) do Reino Unido, que utilizam, entre outras fontes de informação, a Census Coverage Survey.

[2] Para uma discussão sobre outros potenciais problemas de subenumeracão, denominados “casos marginais”, ver artigo: Census limits: a reference to marginal populations.

2 comentarios en “Avaliação dos censos demográficos brasileiros

  1. Pingback: A investigação da saúde nos censos demográficos do Brasil* | OLAC

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